TEXTO PRODUZIDO
PELO FUNCIONARIOS DO ESTATO: 19/ DE AGOSTO/ 2011
História do Tocantins
História do Tocantins é uma compilação acerca dos fatos históricos que
culminaram com a criação do nosso Estado, em 05 de outubro de 1988.
Conhecer a História do Tocantins é muito mais do que só saber sobre a sua
criação. É também buscar entende-lo dentro do contexto da história geral do
Brasil e, principalmente, nas suas particularidades, onde se configuram sua
formação social, as formas de resistências e as buscas de alternativas da
população diante das adversidades. Esse trabalho visa apontar caminhos para a
compreensão desses fatos. Nesse sentido apresenta a construção dessa história
em dois momentos: no primeiro, o leitor tem acesso a uma síntese da história
econômica e social do Antigo Norte de Goiás, até a segunda metade do século XX.
Num segundo momento, o texto trata especificamente dos processos históricos que
culminaram com a criação do Estado do Tocantins, até a implantação da capital,
Palmas.
a) Desbravamento
da região
A colonização do Brasil se deu dentro do contexto da política
mercantilista do século XVI que via no comércio a principal forma de acumulação
de capital, garantido, principalmente, através da posse de colônias e de metais
preciosos.
Além de desbravar, explorar e povoar novas terras os colonizadores tinham
também uma justificativa ideológica: a expansão da fé cristã.
"Explorava-se em nome de Deus e do lucro, como disse um mercador
italiano" (AMADO, GARCIA, 1989, p.09). A preocupação em catequizar as
populações encontradas foi constante.
A colônia brasileira, administrada política e economicamente pela
metrópole, tinha como função fornecer produtos tropicais e/ou metais preciosos
e consumir produtos metropolitanos. Portugal, então, iniciou a colonização pela
costa privilegiando a cana de açúcar como principal produto de exportação.
Enquanto os colonizadores portugueses se concentravam no litoral, no
século XVII ingleses, franceses e holandeses conquistavam a região norte
brasileira estabelecendo colônias que servissem de base para posterior
exploração do interior do Brasil. Os franceses, depois de devidamente
instalados no forte de São Luís na costa maranhense, iniciam a exploração dos
sertões do Tocantins. Coube a eles a descoberta do Rio Tocantins pela foz no
ano de 1610 (RODRIGUES, 2001).
O rio Tocantins foi um dos caminhos para o conhecimento e exploração da
região onde hoje se localiza o Estado do Tocantins. Nasce no Planalto Central
de Goiás e corta, no sentido sul-norte, todo o território do atual Estado do
Tocantins.
Só mais de
quinze anos depois dos franceses foi que os portugueses iniciaram a colonização
da região pela "decidida ação dos jesuítas". E ainda no século XVII
os padres da Companhia de Jesus fundaram as aldeias missionárias da Palma
(Paranã) e do Duro (Dianópolis) (SECOM, 1998).
b) Norte de Goiás
O norte de Goiás deu origem ao atual Estado do Tocantins. Segundo a
historiadora Parente ( 1999), esta região foi interpretada sob três versões.
Inicialmente, norte de Goiás foi denominativo atribuído somente à localização
geográfica dentro da região das Minas dos Goyazes na época dos descobrimentos
auríferos no século XVIII. Com referência ao aspecto geográfico, essa
denominação perdurou por mais de dois séculos, até a divisão do Estado de
Goiás, quando a região norte passa a ser o Estado do Tocantins.
Num segundo momento, com a descoberta de grandes minas na região, o norte
de Goiás passou a ser conhecido como uma das áreas que mais produziam ouro na
capitania. Esta constatação despertou o temor ao contrabando que acabou
fomentando um arrocho fiscal maior que nas outras áreas mineradoras.
Por último, o norte de Goiás passou a ser visto, após a queda da
mineração, como sinônimo de atraso econômico e involução social, gerador de um
quadro de pobreza para a maior parte da população.
Essa região foi palco primeiramente de uma fase épica vivida pelos seus
exploradores, “que em quinze anos abriam caminhos e estradas, vasculharam rios
e montanhas, desviam correntes, desmatam regiões inteiras, rechaçaram os
índios, exploram, habitam e povoam uma área imensa....” (PALACIM, Luis,1979,
p.30)
Descoberto o ouro, a região passa, de acordo com a política mercantilista
do século XVIII, a ser incorporada ao Brasil. O período aurífero foi brilhante,
mas breve. E a decadência, quase sem transição, sujeitou a região a um estado
de abandono.
Foi na economia
de subsistência que a população encontrou mecanismos de resistência para se
integrar economicamente ao mercado nacional. Essa integração, embora lenta, foi
se concretizando baseada na produção agropecuária, que predomina até hoje e
constitui a base econômica do Estado do Tocantins (PARENTE, Temis Gomes, 1999,
p.96)
c) Economia do ouro
As descobertas de minas de ouro em Minas Gerais no ano 1690 e em Cuiabá
em 1718 despertaram a crença de que em Goiás, situado entre Minas Gerais e Mato
Grosso, também deveria existir ouro. Foi essa a argumentação da bandeira de
Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera (filho do primeiro Anhanguera que
esteve com o pai na região anos antes), para conseguir a licença do rei de
Portugal a fim de explorar a região.
O rei cedia a particulares o direito de exploração de riquezas minerais
mediante o pagamento do quinto, que segundo ordenação do reino, era uma
decorrência do domínio real sobre todo o subsolo. O rei, não querendo realizar
a exploração diretamente, cedia a seus súditos este direito exigindo em troca o
quinto do metal fundido e apurado, a salvo de todos os gastos.
Em julho de 1722 a bandeira do Anhanguera saiu de São Paulo. Em 1725
volta com a notícia da descoberta de córregos auríferos. A partir desse
momento, Goiás entra na história como as Minas dos Goyazes. Dentro da divisão
do trabalho no império português, este é o título de existência e de identidade
de Goiás durante quase um século.
Um grande contingente populacional deslocou-se para “a região do Araés,
como a princípio se chamou essa parte do Brasil, que diziam possuir montanhas
de ouro, lagos encantados e os martírios de Nosso Senhor de Jesus Cristo
gravados nas pedras das montanhas. Era um novo Eldorado de histórias romanescas
e contos fabulosos” ( ALENCASTRE, José Martins Pereira, 1979, p. 45).
Diante dessas expectativas reinou, nos primeiros tempos, a anarquia, pois
era a mineração “alvo de todos os desejos. O proprietário, o industrialista, o
aventureiro, todos convergiam seus esforços e seus capitais para a mineração” (
ALENCASTRE, José Martins Pereira, 1979, p. 18).
Inicialmente, as minas de Goiás eram jurisdicionadas à capitania de São
Paulo na condição de intendência, com a capital em Vila Boa e sob a administração
de Bueno, a quem foi atribuído o cargo de superintendente das minas com o
objetivo de “representar e manter a ordem legal e instaurar o arcabouço
tributário”. ( PALACIN, Luís, 1979, p. 33)
d) Formação dos
arraiais
“Há ouro e água”. Isto basta. Depois da fundação solene do primeiro
arraial de Goiás, o arraial de Sant'Anna, esse foi o critério para o
surgimento dos demais arraiais. Para as margens dos rios ou riachos
auríferos deslocaram-se populações da metrópole e de todas as partes da
colônia, formando à proporção em que se descobria ouro, um novo arraial “que
podia progredir ou ser abandonado, dependendo da quantidade de riquezas
existentes”. (PARENTE, Temis Gomes, 1999, p.58)
Nas décadas de 1730 e 1740 ocorreram as descobertas auríferas no norte de
Goiás e, por causa delas, a formação dos primeiros arraiais no território onde
hoje se situa o Estado do Tocantins. Natividade e Almas (1734), Arraias e
Chapada (1736), Pontal e Porto Real (1738). Nos anos 40, surgiram Conceição,
Carmo e Taboca, e mais tarde Príncipe (1770). Alguns foram extintos, como
Pontal, Taboca e Príncipe. Os outros resistiram à decadência da mineração e no
século XIX se transformaram em vilas e posteriormente em cidades.
O grande fluxo de pessoas de todas as partes e de todos os tipos permitiu
que a composição social da população dos arraiais de ouro se tornasse bastante
heterogênea. Trabalhar, enriquecer e regressar ao lugar de origem eram os
objetivos dos que se dirigiam para as minas. Em sua maioria eram homens
brancos, solteiros ou desacompanhados da família, que contribuíram para a
mistura de raças com índias e negras escravas. No final do século XVIII, os
mestiços já eram grande parte da população que posteriormente foram absorvidos
no comércio e no serviço militar.
A população branca era composta de mineiros e de pessoas pobres que não
tinham nenhuma ocupação e eram tratados, nos documentos oficiais, como vadios.
Ser mineiro
significava ser dono de lavras e escravos. Era o ideal de todos os habitantes
das minas, um título de honra e praticamente acessível a quase todos os
brancos. O escravo podia ser comprado a crédito, sua posse dava o direito de
requerer uma data - um lote no terreno de mineração - e o ouro era de fácil
exploração, do tipo aluvial, acumulado no fundo e nas margens dos rios.
Todos, uns com mais e outros com menos ações, participavam da bolsa do
ouro. Grandes comerciantes e contratadores que residiam em Lisboa ou Rio de
Janeiro mantinham aqui seus administradores. Escravos, mulatos e forros também
praticavam a faiscagem - procura de faíscas de ouro em terras já anteriormente
lavradas. Alguns, pela própria legislação, tinham muito mais vantagens.
O negro teve uma importância fundamental nas regiões mineiras. Além de
ser a mão-de-obra básica em todas as atividades, da extração do ouro ao
carregamento nos portos, era também uma mercadoria de grande valor. Primeiro, a
quantidade de negros cativos foi condição determinante para se conseguir
concessões de lavras e, portanto, para um branco se tornar mineiro. Depois, com
a instituição da capitação no lugar do quinto, o escravo tornou-se referência
de valor para o pagamento do imposto. Neste, era a quantidade de escravos
matriculados que determinava o quanto o mineiro iria pagar em ouro para a
Coroa. Mas a situação do negro era desoladora. Os maus tratos e a dureza do
trabalho nas minas resultavam em constantes fugas.
A mão-de-obra indígena na produção para a exportação foi muito menor que
a negra. Isso é devido ao fato da não adaptação do índio ao rigor do trabalho
exigido pelo branco, gerando uma produção de baixa rentabilidade.
e) O controle
das minas
Desde quando ficou conhecida a riqueza aurífera das Minas de Goyazes, o
governo português tomou uma série de medidas para garantir para si o maior
proveito da exploração das lavras. Foi proibida a abertura de novas estradas em
direção às minas. Os rios foram trancados à navegação. As indústrias proibidas
ou limitadas. A lavoura e a criação inviabilizadas por pesados tributos: braços
não podiam ser desviados da mineração. O comércio foi fiscalizado. E o fisco,
insaciável na arrecadação.
“Só
havia uma indústria livre: a mineração, mas esta mesma sujeita à capitação e
censo, à venalidade dos empregados de registros e contagens, à falsificação na
própria casa de fundição, ao quinto (....), ao confisco por qualquer ligeira
desconfiança de contrabando” (ALENCASTRE, José Martins Pereira, 1979, p. 18). À
época do descobrimento das Minas dos Goyazes vigorava o método de quintamento
nas casas de fundição. A das minas de Goiás era em São Paulo. Para lá que
deveriam ir os mineiros para quitar seu ouro. Recebiam de volta, depois de
descontado o quinto, o ouro fundido e selado com selo real.
O ouro em pó podia ser usado como moeda no território das minas, mas se
saísse da capitania, tinha que ser declarado ao passar pelo registro e depois
quintado, o que praticamente ficava como obrigação dos comerciantes. Estes,
vendendo todas as coisas a crédito, prazo e preços altíssimos acabavam ficando
com o ouro dos mineiros e eram os que, na realidade, canalizavam o ouro das
minas para o exterior e deviam, por conseguinte, pagar o quinto correspondente.
O método da casa de fundição para a cobrança do quinto seria ideal se não
fosse um problema que tomava de sobressalto o governo português: o contrabando
do ouro, que oferecia alta rentabilidade: “os vinte por cento do imposto mais
dez por cento de ágio”. Das minas para a costa ou para o exterior era sempre um
negócio lucrativo, que “nem o cipoal de leis, alvarás, cartas régias e
provisões, nem os seqüestros, devassas de registros, prêmios prometidos aos
delatores e comissões aos soldados puderam por freio (....)”.( PALACIN, 1979,
p. 49).
O grande contrabando era dos comerciantes que controlavam o comércio
desde os portos, praticado (....) “por meio da conivência dos guardas dos
registros, ou de subornos de soldados, que custodiavam o comboio dos quintos
reais”. Contra si o governo tinha as dilatadas fronteiras, o escasso
policiamento, o costume inveterado e a inflexibilidade das leis econômicas. ( PALACIN,
1979, p. 49). A seu favor tinha o poder político, jurídico e econômico sobre
toda a colônia. Assim, decreta como primeira medida, em se tratando das minas,
o isolamento destas.
A partir de 1730 foram proibidas todas as outras vias de acesso a Goiás
ficando um único caminho, o iniciado pelas bandeiras paulistas que ligavam as
minas com as regiões do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Com isso, ficava
interditado o acesso pelas picadas vindas do Nordeste - Bahia e Piauí. Foi
proibida a navegação fluvial pelo Tocantins, afastando a região de outras
capitanias - Grão-Pará e Maranhão.
À proporção que crescia a importância das minas surgiram atritos com os
governadores das capitanias do Maranhão e Pará, “quando do descobrimento das
minas de Natividade e São Félix e dos boatos de suas grandes riquezas (...). Os
governadores tomaram para si a incumbência de nomear autoridades para os ditos
arraiais e outras minas que pudessem surgir, a fim de tomarem posse e cobrarem
os quintos de ouro ali existentes”.( PARENTE , 1999, p. 59).O resultado foi o
afastamento dessa interferência seguido da proibição, através de bandos, da
entrada das populações das capitanias limítrofes na região e a saída dos que
estavam dentro sem autorização judicial.
f) Decadência da
produção
A produção do ouro goiano teve o seu apogeu nos primeiros dez anos de
estabelecimento das minas, entre 1726 e 1735. Foi o período em que o ouro aluvial
aflorava por toda a região, resultando numa produtividade altíssima. Quando se
iniciou a cobrança do imposto de capitação em todas as regiões mineiras, a
produção começou a cair, possivelmente mascarada pelo incremento do contrabando
na região, impossível de se mensurar.
De 1752 a 1778, a arrecadação chegou a um nível mais alto por ser o
período da volta da cobrança do quinto nas casas de fundição. Mas a
produtividade continuou decrescendo. O motivo dessa contradição era a própria
extensão das áreas mineiras, que compensavam e excediam a redução de
produtividade.
A distância das minas do norte, os custos para levar o ouro e o risco de
ataques indígenas aos mineiros justificaram a criação de uma casa de fundição
em São Félix em 1754. Mas, já em 1797, foi transferida para Cavalcante, “por não
arrecadar o suficiente para cobrir as despesas de sua manutenção”.( PARENTE,
1999, p. 51)
A Coroa Portuguesa mandou investigar as razões da diminuição da
arrecadação da Casa de Fundição de São Félix. Foram tomadas algumas
providências como a instalação de um registro, posto fiscal, entre Santa Maria
(Taguatinga) e Vila do Duro (Dianópolis). Outra tentativa para reverter o
quadro da arrecadação foi organizar bandeiras para tentar novos descobrimentos.
Tem-se notícia do itinerário de apenas duas. Uma dirigiu-se rumo ao Pontal
(região de Porto Real), pela margem esquerda do Tocantins e entrou em conflito
com os Xerente, resultando na morte de seu comandante.
A outra saiu de Traíras (nas proximidades de Niquelândia (GO) para as
margens do rio Araguaia em busca dos Martírios, serra onde se acreditava
existir imensas riquezas auríferas. Mas a expedição só chegou até a ilha do
Bananal onde sofreu ataques dos Xavante e Javaé, dali retornando.
No período de 1779 a 1822, ocorreu a queda brusca da arrecadação do quinto
com o fim das descobertas do ouro de aluvião, predominando a faiscagem nas
minas antigas. Quase sem transição, chegou a súbita decadência.
A crise
econômica
O declínio da mineração foi irreversível e arrastou “consigo os outros
setores a uma ruína parcial: diminuição da importação e do comércio externo,
menor arrecadação de impostos, diminuição da mão-de-obra pelo estancamento na
importação de escravos, estreitamento do comércio interno, com tendência à
formação de zonas de economia fechada e um consumo dirigido à pura
subsistência, esvaziamento dos centros de população, rualização, empobrecimento
e isolamento cultural”( PALACIN, 1979, p. 133). Toda a capitania entrou em
crise e nada foi feito para a sua revitalização. Endividados com os
comerciantes, os mineiros estavam descapitalizados.
A avidez pelo lucro fácil, tanto das autoridades administrativas
metropolitanas quanto dos mineiros e comerciantes, não admitiu perseveranças. O
local onde não se encontrava mais ouro era abandonado. Os arraiais de ouro, que
surgiam e desapareciam no Tocantins, contribuíram apenas para o expansionismo
geográfico. Cada vez se adentrava mais o interior em busca do ouro aluvião, mas
em vão.
No norte da capitania a crise foi mais profunda. Isolada tanto
propositadamente quanto geograficamente, essa região sempre sofreu medidas que
frearam o seu desenvolvimento. A proibição da navegação fluvial pelos rios
Tocantins e Araguaia eliminou a maneira mais fácil e econômica de a região
atingir outros mercados consumidores das capitanias do norte da colônia. O
caminho aberto que ligava Cuiabá a Goiás não contribuiu em quase nada para
interligar o comércio da região com outros centros abastecedores, visto que o
mercado interno estava voltado ao litoral nordestino. Esse isolamento, junto
com o fato de não se incentivar a produção agro-pecuária nas regiões mineiras,
tornava abusivo o preço de gêneros de consumo e favorecia a especulação. A
carência de transportes, a falta de estradas e o risco frequente de ataques
indígenas dificultavam o comércio.
Além destas dificuldades, o contrabando e a cobrança de pesados tributos
contribuíram para drenagem do ouro para fora da região. Dos impostos, somente o
quinto era remetido para Lisboa. Todos os outros (entradas, dízimos, contagens,
etc.) eram destinados à manutenção da colônia e da própria capitania.
Inviabilizadas
as alternativas de desenvolvimento econômico devido à falta de acumulação de
capital e ao atrofiamento do mercado interno após o fim do ciclo da mineração,
a população se volta para a economia de subsistência.
Nas últimas décadas do século XVIII e início do século XIX, toda a
capitania estava mergulhada numa situação de crise, o que levou os governantes
goianos a voltarem suas atenções para as atividades econômicas que antes
sofreram proibições, objetivando soerguer a região da crise em que mergulhara.
g) Subsistência
da população e a integração econômica
Na segunda década do século XIX, com o fim da mineração, os aglomerados
urbanos estacionaram ou desapareceram e grande parte da população abandonou a
região. Os que permaneceram foram para zona rural e dedicaram-se à criação de
gado e agricultura, produzindo apenas algum excedente para aquisição de gêneros
essenciais. ( PALACIN, 1989, p. 46)
Toda a capitania entrou num processo de estagnação econômica. No norte, o
quadro de abandono, despovoamento, pobreza e miséria foi descrito por muitos
viajantes e autoridades que passaram pela região nas primeiras décadas do
século XIX.
Saint-Hilaire, na divisa norte/sul da capitania, revelou: "à exceção
de uma casinha que me pareceu abandonada, não encontrei durante todo o dia
nenhuma propriedade, nenhum viajante, não vi o menor trato de terra cultivada,
nem mesmo um único boi".
Johann Emanuel Pohl, anos depois, passando pelo povoado de Santa Rita constatou:
"é um lugar muito pequeno, em visível decadência (...). Por não haver
negros, por falta de braços, as lavras de ouro estão inteiramente descuradas e
abandonadas".
O desembargador Theotônio Segurado, que mais tarde se tornaria ouvidor da
Comarca do Norte, em relatório de 1806, deu conta das penúrias em que vivia a
região em função tanto do abandono como da falta de meios para contrapor esse
quadro: "A capitania nada exportava; o seu comércio externo era
absolutamente passivo: os gêneros da Europa, vindos em bestas do Rio ou Bahia
pelo espaço de 300 léguas, chegavam caríssimos; os negociantes vendiam tudo
fiado: daí a falta de pagamentos, daí as execuções, daí a total ruína da
Capitania".
Diante dessa situação, a Coroa Portuguesa tomou consciência de que só
através do povoamento, da agricultura, da pecuária e do comércio com outras
regiões que a capitania poderia retomar o fluxo comercial de antes. Como saída
para a crise voltaram-se as atenções para as possibilidades de ligação
comercial com o litoral, através da capitania do Pará, pela navegação dos rios
Tocantins e Araguaia.( CAVALCANTE, 1999,p.39)
As picadas, os caminhos e a navegação pelos rios Tocantins e Araguaia,
todos interditados na época da mineração para conter o contrabando, foram
liberados desde 1782. Como efeito imediato o norte começou a se relacionar com
o Pará, ainda que de forma precária e inexpressiva.
Nas primeiras décadas do século XIX, o desembargador Theotônio Segurado
já apontava a navegação dos rios Tocantins e Araguaia como alternativa para o
desenvolvimento da região através do estímulo à produção para um comércio mais
vantajoso tanto no norte como em toda a Capitania, diferente do
tradicionalmente realizado com a Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Com esse fim
propôs a formação de companhias de comércio, o estímulo à agricultura, o
povoamento das margens desses rios oferecendo isenção por dez anos do pagamento
de dízimos aos que ali se estabelecessem, e, aos comerciantes, concessão de
privilégios na exportação para o Pará ( CAVALCANTE, 1999).
Com estas propostas chamou a atenção das autoridades governamentais para
a importância do comércio de Goiás com o Pará, através dos rios Araguaia e
Tocantins. Foi ele próprio realizador de viagens para o Pará incentivando a
navegação do Tocantins. Destacou-se como um grande defensor dos interesses da
região quando foi ouvidor da Comarca do norte. A criação dessa comarca visava
promover o povoamento no extremo norte para fomentar o comércio e a navegação
dos rios Araguaia e Tocantins.
h) Criação da
Comarca do Norte - 1809
Para facilitar a administração, a aplicação da justiça e, principalmente,
incentivar o povoamento e o desenvolvimento da navegação dos rios Tocantins e
Araguaia, o Alvará de 18 de março de 1809 dividiu a Capitania de Goiás em duas
comarcas (regiões): a Comarca do Sul e a Comarca do Norte. Esta recebeu o nome
de Comarca de São João das Duas Barras, assim como chamaria a vila que, na
confluência do Araguaia no Tocantins se mandaria criar com este mesmo nome para
ser sua sede. Para nela servir foi nomeado o desembargador Joaquim Theotônio
Segurado como seu ouvidor.
A nova comarca compreendia os julgados de Porto Real, Natividade,
Conceição, Arraias, São Félix, Cavalcante, Traíras e Flores. O arraial do
Carmo, que já tinha sido cabeça de julgado, perde essa condição que foi
transferida para Porto Real, ponto que começava a prosperar com a navegação do
Tocantins. Enquanto não se fundava a vila de São João das Duas Barras,
Natividade seria a sede da ouvidoria. A função primeira de Theotônio Segurado
era designar o local onde deveria ser fundada essa vila.
Alegando a distância e a descentralização em relação aos julgados mais
povoados, o ouvidor e o povo do norte solicitaram a D. João autorização para a
construção da sede da comarca em outro local. No lugar escolhido por Segurado,
o alvará de 25 de janeiro de 1814 autorizava a construção da sede na
confluência dos rios Palma e Paranã, a vila de Palma, hoje a cidade de Paranã.
A vila de São João das Duas Barras recebeu o título de vila, mas nunca
chegou a ser construída. Theotônio Segurado, administrador da Comarca do Norte,
muito trabalhou para o desenvolvimento da navegação do Tocantins e o incremento
do comércio com o Pará. Assumiu posição de liderança como grande defensor dos interesses
regionais e, tão logo se mostrou oportuno, não hesitou em reivindicar
legalmente a autonomia político-administrativa da região.
O 18 de março foi, oficialmente, considerado o Dia da Autonomia pela lei
960 de 17 de março de 1998, por ser a data da criação da Comarca do Norte,
estabelecida como marco inicial da luta pela emancipação do Estado.
i) Movimento
Separatista do Norte de Goiás - 1821 a 1824
A Revolução do Porto no ano de 1820, em Portugal, exigindo a
recolonização do Brasil, mobilizou na colônia, especificamente no litoral, a
elite intelectualizada em prol da emancipação do país. Em Goiás, essas ideias
liberais refletiram na tentativa de derrubar a própria personificação da
dominação portuguesa: o capitão-general Manoel Sampaio.
Houve uma primeira investida nesse sentido em 1821, sob a liderança do
capitão Felipe Antônio Cardoso e do pe. Luiz Bartolomeu Marques. Coube ao
primeiro mobilizar os quartéis e ao segundo conclamar o povo e lideranças para
a preparação de um golpe que iria depor Sampaio. Contudo, houve uma denúncia
sobre o golpe e, em seguida, foi ordenada a prisão dos principais líderes
rebeldes. O pe. Marques conseguiu fugir e novamente articulou contra o
capitão-general. Sampaio impôs sua autoridade e os rebeldes foram expulsos da capital
Vila Boa. Alguns vieram para o norte, como o capitão Cardoso, que teve ordem
para se retirar para o distrito de Arraias, e o pe. José Cardoso de Mendonça,
enviado para a aldeia de Formiga e Duro.
Mas os acontecimentos que ocorreram na capital não ficaram isolados. A ideia
da nomeação de um governo provisório, depois de fracassada na capital, foi
aclamada no norte onde já havia anseios
separatistas. O desejo do padre Luiz Bartolomeu Marques não era outro senão a
independência do Brasil. E a deposição de Sampaio seria apenas o primeiro
passo. Para este fim contavam com o vigário de Cavalcante, Francisco Joaquim
Coelho de Matos, que cedeu a direção das coisas ao desembargador Joaquim
Theotônio Segurado.
No dia 14 de setembro, um mês após a frustrada tentativa de deposição de
Sampaio, instalou-se o governo independencista do norte, com capital provisória
em Cavalcante. O ouvidor da Comarca do Norte, Theotônio Segurado, presidiu e
estabeleceu essa junta provisória até janeiro de 1822. No dia seguinte, o governo
provisório da Comarca da Palma fez circular uma proclamação em que declarou-se
separado do governo.( ALENCASTRE, 1979). As justificativas para a separação do
norte em relação ao centro-sul de Goiás eram, para Segurado, de natureza
econômica, política, administrativa e geográfica.
A instalação de um governo independente - não necessariamente em relação
à Coroa Portuguesa, mas sim ao governo do capitão-general da Comarca do Sul -
parecia ser o único objetivo de Theotônio Segurado. A sua posição não-independencista
provocou a insatisfação de alguns dos seus correligionários políticos e a
retirada de apoio à causa separatista. Em outubro de 1821, transfere a capital
para Arraias provocando oposição e animosidade dos representantes de
Cavalcante. Com o seu afastamento em janeiro de 1822, quando partiu para Lisboa
como deputado representante de Goiás na Corte, agravou a crise interna.
“A partir dessa
data uma série de atritos parecem denunciar que a junta havia ficado acéfala.
Na ausência de Segurado, nenhuma liderança capaz de impor-se com a autoridade
representativa da maioria dos arraiais conseguiu se firmar. Pelo contrário, os
interesses particulares dos líderes de Cavalcante, Palmas, Arraias e Natividade
se sobrepuseram à causa separatista regional”.( CAVALCANTE, 1999,p.64)
j) Trajetória de
luta pela criação do Tocantins
No final do século XIX e no decorrer do século XX, a ideia de se criar o
Tocantins, estado ou território, esteve inserida no contexto das discussões
apresentadas em torno da redivisão territorial do país, no plano nacional. Mas,
a concretização desta ideia só veio com a Constituição de 1988 que criou o
Estado do Tocantins pelo desmembramento do estado de Goiás.
Ainda no
Império, duas tentativas: a defesa de Visconde de Taunay, na condição de
deputado pela Província de Goiás, propondo a separação do norte goiano para a
criação da Província da Boa Vista do Tocantins, com a vila capital em Boa Vista
(Tocantinópolis), em 1863; e, de modo mais concreto, em 1889, com o projeto de
Fausto de Souza para a redivisão do Império em 40 províncias, constando a do
Tocantins na região que compreendia o norte goiano.
Nas primeiras décadas da República o discurso separatista sobreviveu na
imprensa regional, principalmente de Porto Nacional - maior centro econômico e
político da época - em periódicos como "Folha do Norte" e "Norte
de Goiás". A partir da década de 1930 que o discurso retorna à esfera
nacional.
Após a criação pela Constituição de 1937 dos territórios do Amapá, Rio
Branco, Guaporé - atual Rondônia - Itaguaçu e Ponta Porã (extintos pela
Constituição de 1946), houve também quem defendesse a criação do território do
Tocantins.
A criação do
Estado do Tocantins - 1988
O ano era 1987. As lideranças souberam aproveitar o momento oportuno para
mobilizar a população em torno de um projeto de existência quase secular e pelo
qual lutaram muitas gerações: a autonomia política do norte goiano, já batizado
Tocantins.
A Conorte apresentou à Assembléia Constituinte uma emenda popular com
cerca de 80 mil assinaturas como reforço à proposta de criação do Estado. Foi
criada a União Tocantinense, organização supra-partidária com o objetivo de
conscientização política em toda a região norte para lutar pelo Tocantins
também através de emenda popular. Com objetivo similar, nasceu o Comitê
Pró-Criação do Estado do Tocantins, que conquistou importantes adesões para a
causa separatista. "O povo nortense quer o Estado do Tocantins. E o povo é
o juiz supremo. Não há como contestá-lo", reconhecia o governador de Goiás
na época, Henrique Santilo. ( SILVA, 1999,p.237)
Em junho, o deputado Siqueira Campos, relator da Subcomissão dos Estados
da Assembleia Nacional Constituinte, redige e entrega ao presidente da Assembleia,
o deputado Ulisses Guimarães, a fusão de emendas criando o Estado do Tocantins
que foi votada e aprovada no mesmo dia.
Pelo artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins.
A eleição dos primeiros representantes tocantinenses foi realizada em 15
de novembro de 1988, pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, junto com as
eleições dos prefeitos municipais. Além do governador e seu vice, foram
escolhidos os senadores e deputados federais e estaduais.
A cidade de Miracema do Norte, localizada na região central do novo
Estado, foi escolhida como capital provisória. No dia 1º de janeiro de 1989 foi
instalado o Estado do Tocantins e empossados o governador, José Wilson Siqueira
Campos; seu vice, Darci Martins Coelho; os senadores Moisés Abrão Neto, Carlos
Patrocínio e Antônio Luiz Maya; juntamente com oito deputados federais e 24
deputados estaduais.
Ato contínuo, o governador assinou decretos criando as Secretarias de
Estado e viabilizando o funcionamento dos poderes Legislativo e Judiciário e
dos Tribunais de Justiça e de Contas. Foram nomeados o primeiro secretariado e
os primeiros desembargadores. Também foi assinado decreto mudando o nome das
cidades do novo Estado que tinham a identificação "do Norte" e
passaram para "do Tocantins". Foram alterados, por exemplo, os nomes
de Miracema do Norte, Paraíso do Norte e Aurora do Norte para Miracema do
Tocantins, Paraíso do Tocantins e Aurora do Tocantins.
No dia 5 de outubro de 1989, foi promulgada a primeira Constituição do
Estado, feita nos moldes da Constituição Federal. Foram criados mais 44
municípios além dos 79 já existentes. Atualmente, o Estado possui 139
municípios.
Foi construída, no centro geográfico do Estado, numa área de 1.024 Km2
desmembrada do município de Porto Nacional, a cidade de Palmas, para ser a sede
do governo estadual. Em 1º de janeiro de 1990, foi instalada a capital.
l) Criação do
Estado do Tocantins - 1988
O ano era 1987. As lideranças souberam aproveitar o momento oportuno para
mobilizar a população em torno de um projeto de existência quase secular e pelo
qual lutaram muitas gerações: a autonomia política do norte goiano, já batizado
Tocantins.
A Conorte apresentou à Assembleia Constituinte uma emenda popular com
cerca de 80 mil assinaturas como reforço à proposta de criação do Estado. Foi
criada a União Tocantinense, organização supra-partidária com o objetivo de
conscientização política em toda a região norte para lutar pelo Tocantins
também através de emenda popular. Com objetivo similar, nasceu o Comitê
Pró-Criação do Estado do Tocantins, que conquistou importantes adesões para a
causa separatista. "O povo nortense quer o Estado do Tocantins. E o povo é
o juiz supremo. Não há como contestá-lo", reconhecia o governador de Goiás
na época, Henrique Santilo. ( SILVA, 1999,p.237)
Em junho, o deputado Siqueira Campos, relator da Subcomissão dos Estados
da Assembleia Nacional Constituinte, redige e entrega ao presidente da Assembleia,
o deputado Ulisses Guimarães, a fusão de emendas criando o Estado do Tocantins
que foi votada e aprovada no mesmo dia.
Pelo artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins.
A eleição dos primeiros representantes tocantinenses foi realizada em 15
de novembro de 1988, pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, junto com as
eleições dos prefeitos municipais. Além do governador e seu vice, foram
escolhidos os senadores e deputados federais e estaduais.
A cidade de Miracema do Norte, localizada na região central do novo
Estado, foi escolhida como capital provisória. No dia 1º de janeiro de 1989 foi
instalado o Estado do Tocantins e empossados o governador, José Wilson Siqueira
Campos; seu vice, Darci Martins Coelho; os senadores Moisés Abrão Neto, Carlos
Patrocínio e Antônio Luiz Maya; juntamente com oito deputados federais e 24
deputados estaduais.
Ato contínuo, o governador assinou decretos criando as Secretarias de
Estado e viabilizando o funcionamento dos poderes Legislativo e Judiciário e
dos Tribunais de Justiça e de Contas. Foram nomeados o primeiro secretariado e
os primeiros desembargadores. Também foi assinado decreto mudando o nome das cidades
do novo Estado que tinham a identificação "do Norte" e passaram para
"do Tocantins". Foram alterados, por exemplo, os nomes de Miracema do
Norte, Paraíso do Norte e Aurora do Norte para Miracema do Tocantins, Paraíso
do Tocantins e Aurora do Tocantins.
No dia 5 de outubro de 1989, foi promulgada a primeira Constituição do
Estado, feita nos moldes da Constituição Federal. Foram criados mais 44
municípios além dos 79 já existentes. Atualmente, o Estado possui 139
municípios.
Foi construída,
no centro geográfico do Estado, numa área de 1.024 Km2 desmembrada do município
de Porto Nacional, a cidade de Palmas, para ser a sede do governo estadual. Em
1º de janeiro de 1990, foi instalada a capital.
m) Bibliografia
- BARROS,
Otávio. Breve História do Tocantins, 1º edição, FIETO, Araguaína, 1996
- BARROS,
Otávio. Tocantins, Conhecendo e Fazendo História, 1º edição, SECOM, Palmas,
1998.
- PALACIN, Luís,
MORAES, Maria Augusta Sant’anna. História de Goiás (1722-1972) 5º ed. Goiânia:
Ed. Da UCG, 1989.
- O Século do
Ouro em Goiás. 3º ed. Goiânia: Oriente, Brasília: INL, 1979.
- CAVALCANTE,
Maria do Espírito Santo Rosa. Tocantins: O Movimento Separatista do Norte de
Goiás, 1821-1988 - São Paulo: A Garibaldi, Editora da UCG, 1999.
- SILVA,
Francisco Ayres da. Caminhos de Ouhãra - 2° ED. Porto Nacional: Prefeitura
Municipal, 1999.
- PARENTE, Temis
Gomes- Fundamentos Históricos do Estado do Tocantins Goiânia: ED. da UFG, 1999.
- ALENCASTRE,
José Martins Pereira de. Anais da Província de Goiás. Goiânia: SUDECO/Governo
de Goiás, 1979.
Todo povo do
Estado do Tocantins faz parte dessa história.
Postado por
Tocantins No Ar às 09:54
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